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Estou escrevendo este post motivado por recentes resultados de pesquisas educacionais que ano após ano colocam o Brasil nos últimos lugares em todos os aspectos avaliados do ensino.Claro que temos vários problemas graves em nossa educação, mas eu gostaria de destacar 2. O primeiro deles acredito que seja algo mais particular do Rio de Janeiro, mas talvez se aplique a outros estados também.
Aqui no Rio de Janeiro existe na educação pública um conceito totalmente maléfico e inexplicável, que é o da aprovação automática no primário. Não estou certo se fazem isto no ginásio também, mas mesmo que seja apenas no primário é algo estarrecedor. Com a aprovação automática, crianças que não sabem nem ler e escrever são aprovadas seguidamente, e às vezes chegam à quinta série do ensino fundamental totalmente analfabetas. Eu escutei na Band News um tempo atrás o caso de um garoto da quinta série totalmente analfabeto. Ele era capaz de reconhecer letras, mas não mais do que isso. Pediram para ele ler a frase escrita na bandeira nacional, e ele não saiu do “O”! Isto é algo que me revolta profundamente, mas que continua acontecendo com essa aprovação automática na qual não consigo ver nenhuma boa intenção por trás. Que bela maneira de se ter “Ordem e Progresso”!
Outro problema, este não restrito à educação pública, é o da educação focada no vestibular. Me parece que estes colégios e cursinhos que preparam para o vestibular elaboram receitas de aprovação que são iniciadas antes mesmo do ensino médio (antigo segundo grau). Não vejo problemas em tentar preparar os alunos da melhor forma possível para o vestibular, pois a competição é realmente acirrada e existem poucas vagas de qualidade para muitos candidatos. Entretanto, pelo que tenho lido e percebido, isto é feito muito mais na base da avalanche de informações e técnicas de memorização do que efetivamente aprendizado. Os alunos dos cursos pré-vestibular são submetidos a uma carga horária tão absurda que não sobra nem mesmo tempo para que pensem por si mesmos. Todo o tempo será gasto com apostilas que precisam ser entregues resolvidas (mesmo que copiadas) e com aulas e mais aulas durante a semana e no fim de semana.
O problema com isso é que memorizar é muito diferente de aprender. Embora isto possa ajudar na aprovação no vestibular, memorizar não vai te preparar da melhor forma para a vida. Muito melhor do que ensinar a LEMBRAR é ensinar a PENSAR. Lembrando você exercerá o mesmo papel de uma enciclopédia que cataloga fatos e dados. Pensando você utilizará fatos e dados previamente obtidos para chegar às suas próprias conclusões e opiniões. Você não estará lembrando das conclusões e opiniões que o avaliador do vestibular está esperando para dar as notas. Você será capaz de tirar as suas próprias conclusões, e como sabemos para cada situação podemos ter várias opiniões válidas.
Farei uma pequena ressalva. Eu tive a sorte de ter uma educação excepcional. Estudei da quinta série do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio no Colégio Militar do Rio de Janeiro. Para ingressar no colégio tive que prestar concurso com outras 4500 crianças disputando 60 vagas. Lembro-me com todos os detalhes do dia no final de 1992 em que eu fui com meu avô ao Colégio Militar saber do resultado do concurso e ver que eu tinha sido o quarto colocado. Foi um dos dias mais felizes da minha vida 🙂 Após estudar no Colégio Militar, ingressei na Universidade Federal do Rio de Janeiro, aprovado também em quarto lugar no curso de Engenharia Eletrônica e de Computação. Meu colégio me educou tão bem que eu não precisei fazer nenhum cursinho pré-vestibular para ser aprovado na primeira tentativa para uma das melhores universidades do Brasil.
Após entrar na universidade achando que seria parecido com o nível de dificuldade que eu tinha no colégio, tive grandes surpresas. O curso de engenharia na UFRJ é muito muito rigoroso e exigente academicamente. Os alunos precisam se dedicar plenamente ao curso para obter bons resultados, e isto acaba elevando bastante o nível dos alunos. Tenho enorme satisfação atualmente por ter sido submetido a este grau de exigência, pois vejo o quanto isto colaborou com a minha formação.
Em comum no Colégio Militar e na UFRJ está o fato de em ambos eu ter sido muito mais estimulado a pensar e aprender de fato do que memorizar. Isto de forma alguma prejudicou meus resultados no vestibular, como mencionei. Sendo assim, deixo aqui a crítica a estes métodos agressivos de memorização que são utilizados em larga escala no Brasil. Ensinem os alunos a pensar, ou ficaremos cada vez mais para trás dos outros países em termos de educação. E não precisamos pensar muito para ver aonde uma péssima educação pode nos levar.
Um conceito que eu criei comigo mesmo no começo da faculdade e sobre o qual eu pensava bastante é o de “ferramentas de raciocínio”. Hoje em dia eu não utilizo boa parte dos conceitos de matemática, ciências, história e geografia que eu aprendi durante a minha educação. Nunca precisei fazer cálculos trigonométricos e nem calcular nenhuma integral de superfície trabalhando com software. Entretanto, tenho total convicção de que isto ajudou e muito a desenvolver meu raciocínio e fundamentou uma base de conhecimentos sobre a qual eu acrescentei tudo que vim a aprender posteriormente.
Uma diferença crucial entre memorizar e aprender de fato é que aprendendo você pode adquirir novas ferramentas de raciocínio. Quando você aprende realmente bem alguma coisa, você vai além do ponto de saber responder a perguntas simples sobre o assunto. Você chega ao ponto de conseguir pensar a partir do que aprendeu.
Um médico durante sua formação aprende inúmeras coisas, e certamente no ciclo básico de Medicina ele aprende diversos conceitos novos que serão fundamentais para um aprendizado posterior. Ele ganha ferramentas de raciocínio de anatomia, bioquímica, fisiologia, imunologia e muitas outras coisas. Após adquirir estas ferramentas de raciocínio e com o acúmulo de experiência, ele será capaz de analisar uma determinada patologia e com o uso de suas ferramentas de raciocínio, diagnosticar um problema que o paciente tem. Veja bem, ele não está lembrando que um paciente com aqueles sintomas tem tal doença. Embora a lembrança de casos passados possa ajudar muito em novos diagnósticos, os bons médicos irão avaliar cuidadosamente cada caso, e então raciocinar para diagnosticar cada caso novo que se apresenta.
Para consertar a nossa educação, precisamos urgentemente modificar o formato de nosso ensino. Em vez de ensinar a memorizar, ensinar a pensar, raciocinar. Em vez de oferecer dados e fatos para serem catalogados, oferecer ferramentas de raciocínio. Não sou expert em educação para saber como fazer isto em larga escala no Brasil, mas posso dizer que a minha educação me ofereceu isto, e tentarei oferecer o mesmo aos meus filhos quando os tiver. Podem nos tirar qualquer coisa material, mas nunca podem tirar de nós a capacidade de pensar!